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segunda-feira, 29 de março de 2010

Você é ou parece?

Chamaram-me para fazer uma palestra para jovens evangélicos com o tema: Você é ou parece ser? Gostaria da ajuda de vocês.
Confesso que estou com problemas.
Como descobrir quem realmente somos? Será que existe isso? Um ser eu? Olho para mim e vejo muitos eus? Dissimulação? Teatro? Duas caras? Não! muitas... Muitos rostos...
Estava conversando com uma nova amiga e meu tio, de quem tanto falo nesse blog, e eles me falavam justamente isso, somos muitos. Me lembraram de Fernando Pessoa, exemplo clássico sobre o tema. Ele escrevia como quatro pessoas totalmente distintas: Alberto Caeiro, Álvaro de Campos, Ricardo reis e ele mesmo.
Então cheguei a primeira conclusão: Eu sou muitos, Nós somos... 

O problema persiste. Mesmo sabendo que somos muitos precisamos conhecer estes rostos. Aí acredito que a questão não é saber quem somos, mas para onde estamos indo, ou até mesmo, pelo que lutamos.
Me diga pelo que você luta e eu direi quem é você. Somos as lutas que travamos. Me diga para onde você está indo. Quais são seus projetos? Seus sonhos? Quais as grandes Utopias que dão norte a sua vida? Nisso está meu segundo problema... Vou falar para jovens evangélicos, e a imensa maioria dos jovens evangélicos hoje se enquadram em dois perfis de espiritualidade: Os que são para a morte, e os individualistas, a grande maioria é uma mistura dessas duas coisas.

Ser para a morte é o tipo de espiritualidade que norteou o evangelicalismo brasileiro durante muitos anos. Essas frases retratam muito bem isso: _ Estamos aqui só de passagem, nossa pátria não é aqui, somos cidadãos dos céus. _ A razão de ser da igreja é salvar as almas do inferno e ganhá-las pra Jesus, não podemos perder tempo com outras coisas enquanto as almas estão morrendo sem Cristo.
Não adianta tentar convencer essa turma a se engajar em nenhum tipo de projeto de vida, porque o grande projeto deles está para depois da vida, para depois da morte, estão alienados da história.
O outro grupo é o grupo mais forte hoje, que é o que é influenciado pela teologia da prosperidade, os individualistas. As músicas que são cantadas nas igrejas evangélicas retratam bem isso: “Olha pra mim ...” “Eu quero de volta o que é meu...” “Eu prosperarei para a direita para a esquerda, para frente e para trás...” Eu... eu.... eu.... Os jovens chamam esse tipo de música extremamente egoístas e individualistas de músicas espirituais de adoração.
Aí está o problema... Como saber para onde estão indo, quem está vivendo para a morte, ou quem está apenas girando em torno de si mesmo???

Para descobrirmos quem somos, para penetrarmos fundo em nós mesmos, é necessário que haja liberdade. Isso é essencial. No momento em que percebemos que a liberdade é essencial nasce a revolta. Revolta contra as estruturas que nos aprisionam, contra este mundo feio, contra a ortodoxia, contra lideranças tanto políticas como religiosas. Jesus de Nazaré, Joana D'arc, Gandhi, Che Guevara, Luther King, são exemplos de pessoas que se revoltaram com os sistemas opressores de sua época e lutaram para subverte-los, porque eram pessoas de espírito livre. 

Você é ou parece ser?

Você é um produto do meio, da nossa cultura, das nossas tradições?
Somos produto do que comemos do que lemos do que assistimos na TV, (Globo, agente não se vê por aqui), dos costumes dos nossos país, da sociedade.
Conversando com um amigo Muht, ele disse assim: _Acho que a individualidade só pode existir quando estamos plenamente cônscios deste ilusório movimento do meio ambiente e da tradição que nos escraviza a mente. Enquanto aceito as regras da tradição, de uma cultura em particular; enquanto carrego o peso das experiencias ( que são resultado do meu condicionamento). Não sou um indivíduo, sou apenas um produto.

segunda-feira, 15 de março de 2010

RELAÇÕES entre NÓS

Em uma conversa com um amigo ele me perguntou se somos livres para tomar decisões, se a nossa vida é resultado de nossas escolher ou se nossa vida é resultante de determinações sociais e biológicas. Disse a ele que depois de muitas discussões científicas, religiosas, filosóficas e principalmente de mesas de bar, chegamos a brilhante conclusão que somos determinados e autônomos, ou melhor nem uma coisa nem outra, somos alguma coisa que fica no meio dessas duas.

Como sei que esse tipo de resposta não satisfaz, continuei conversando com ele e disse que a pergunta que ele fez, apesar de nascer de um desejo dele, é determinada pela compreensão de mundo da sociedade que vivemos. _ Na pergunta você separa o “Eu” do meio, como se você pudesse “ser” sem o meio, sem os outros, sem o que não é você.

Somos pessoas, ser-em-relação, não somos sujeitos, nem mesmo indivíduos, ambos são sombras criadas pela modernidade que esconde quem somos. Somos relações. Nessas relações somos influenciados e influenciamos.
Somos parte de inúmeras relações, com uma imensidão de pessoas vivas e mortas, com grupos diversos, ideias e ideais. O filme Avatar retratou isso de forma brilhante, todos estamos ligados, interligados por conexões, algumas transcendentes.

_Você já se relacionou amorosamente com alguém? Em algum momento você perdeu essa pessoa? Se isso aconteceu você sabe muito bem do que eu estou falando.

Quando amamos alguém deixamos de ter essa ilusão do “EU” e passamos a ser algo que só é quando estamos juntos, Nós. O amor é a mais poderosa conexão das relações que vivemos. Quando amamos alguém é muito diferente de quando estamos acostumados a conviver com alguém, não é costume, não é interesse, não é conveniência. O amor nos arremessa em direção ao outro, e quando o amor é correspondido há o encontro que potencializa o ser. Duas pessoas que se gostam e estão acostumadas a estar juntas fazem as coisas melhores do que estando sós, porque dois é melhor do que um, mas quando a relação é mediada pelo amor, juntas elas podem ser-fazer o que 10 ou 30 pessoas seriam-fariam. O amor potencializa o ser. Três dias com a pessoa amada valem muito mais do que uma vida inteira de solidão.

Amar a vida é caminhar na direção dela e ser agente transformador, transformar, levar a vida a todos os espaços onde ela não está. As vezes essa certeza de que somos produtos do meio nos paralisa, por isso temos que saber que somos mais que isso, somos produtos mas também produtores. Você não tem ideia o que um grupo de pessoas bem informadas é capaz de fazer.

Na vida você tem apenas duas escolhas: Fazer parte do pequeno grupo de pessoas que fazem as coisas acontecer, ou apenas ir tomar uma cerveja com Zeca Pagodinho e deixar a vida te levar.

quinta-feira, 4 de março de 2010

IMPERFEICAO

A paranóia humana que induz a sociedade a valorizar a perfeição ainda é uma característica forte do mundo ocidental. Apesar de não termos contato com essas ditas coisas perfeitas, que só existem no céu cristão ou no mundo das ideias de Platão, insistimos que elas são melhores.

No mundo da lógica do mercado, da produção em série, do utilitarismo, do uso e do consumo talvez essa coisa da perfeição possa ser entendida. Quem, por exemplo, quer comprar um eletrodoméstico com defeito? Ou ter um amigo defeituoso ( se for defeituoso, troca), ou até ser defeituoso. Precisamos ser perfeitos ou no mínimo parecer. Nas igrejas evangélicas e no mundo da política é assim, todos precisam parecer perfeitos.

A busca por perfeição varia um pouco. Depende muito do instrumento de alienação preferido da pessoa. Para quem tem como maior instrumento de alienação a mídia, a televisão, a globo (a gente não se vê por aqui), perfeição é ter dinheiro e estar na moda, para quem é alienado por igrejas cristãs perfeição é ser Santo. No mundo da política  partidária perfeição é enriquecer sem ninguém perceber os roubos.
Pensando sobre perfeição comecei a observar as flores, seres encantados, que trazem o sorriso simplesmente por existir e estar ao alcance dos nossos olhos, percebi que suas formas imperfeitas constroem sua beleza.

Semana passada estava com amigos apreciando a vista de uma cachoeira... Esta que está na foto ao lado... Que coisa incrível. Incrivelmente imperfeita. Uma QUEDA d’água que agita de tal forma o rio o qual antes do encontro com a imperfeição era sereno e calmo. Grandes pedras espalhadas por todos os lados, pareciam que foram arrancadas de seus lugares. Um amigo gozador indagou. Como seria essa Cachoeira se não fosse o pecado, que depois que entrou no mundo vêm destruindo-o? Seria perfeita, sem essas pedras por todos os lados, e ao invés dessa Queda d'água toda defeituosa haveria em seu lugar uma queda reta e plana. Talvez nem existisse Queda. 

Pecado, imperfeição, erro, falhas, não serão esses os ingredientes que quando somados com os acertos e virtudes, nos fazem ser quem nós realmente somos?
Conversando com um amigo que estava passando por um momento muito difícil ouvi dele que estava pensando muito em sua vida. Ele me disse algo que dificilmente você ouvirá numa igreja cristã. Disse que fazendo uma retrospectiva de sua vida, tentou esquecer, apagar os erros que cometeu para começar a tentar viver uma vida com menos erros. Depois de um tempo ele começou a desconfiar que muitas das coisas que ele julgava erros eram as melhores coisas que ele tinha vivido.
Não poderia terminar esse texto de outra forma se não trazendo a belíssima letra da música de Cassia Eller: Carne e Osso...

Alegria do pecado às vezes toma conta de mim
E é tão bom não ser divina
Me cobrir de humanidade me fascina
E me aproxima do céu.

E eu gosto de estar na terra cada vez mais
Minha boca se abre e espera
O direito ainda que profano
Do mundo ser sempre mais humano.

Perfeição demais me agita os instintos
Quem se diz muito perfeito
Na certa encontrou um jeito insosso
Pra não ser de carne e osso, pra não ser carne e osso.