Eu vou! O menino vira menina, o anão pode ser um gigante, homem vira mulher, sorriso estampado no rosto de todos que passam e que logo logo se transformará em euforia. Tristeza, a única restrição. Os pés dos Deuses são desatados para brincar. Ao som de músicas alegres todos pulam, e pulam, e pulam. Fantasias que tentam trazer o avesso desse mundo pelo avesso. Queria que essas fantasias fossem eternas, quem sabe assim a paz venceria as guerras.
Carnaval, “a festa da carne", do latim clássico CARNEM LEVÁRE, substantivo que significa "abstenção de carne";indicando que deveria-se comer muito bem neste dia pois viriam os dias da abstenção, o termo fixa-se no italiano como CARNEVALE (XIV) e daí no francês CARNEVAL (1552) ou CARNAVAL (1680). Festa que nasceu na Grécia 600 anos antes de Cristo, comprovando que a vocação da humanidade para festas e celebrações é tão antiga quanto esta.
Quem diria que o carnaval é uma festa religiosa. O carnaval é a religião de milhares de foliões, mas não somente, o carnaval é rito religioso, um rito cristão.
Na Idade Média, uma corrente religiosa hegemônica passou a ver o mundo como uma tensão contínua entre duas forças opostas, o bem e o mal, e toda a realidade como desdobramento disso: Deus e o Diabo; céu e inferno; luz e escuridão; carne e espírito...
Como não poderia ser diferente o carnaval também recebe influencias dessa paranóia. A festa é uma preparação para a Quaresma, 40 dias de jejum e orações, que mortificará a carne e fortificará o espírito para a Semana Santa. Carnaval é um fruto da inventividade e criatividade popular que apesar de cheios de fé e tementes a Deus sempre acham uma maneira de burlar a religião. Se a igreja obrigá-los-ia a 40 dias de privações precisariam de um dia de festas para atravessar essa tortura.
Infelizmente herdamos uma espiritualidade tetraplégica que exclui e nega o corpo, qualquer tipo de prazer é abominado, a sexualidade é reprimida, o carnaval a festa do corpo e do prazer é vista como coisa distinta de uma vida espiritual.
Perdemos duplamente: a espiritualidade perde a festa, a alegria, o riso, o gozo, o beijo, o abraço, o suor dos corpos, perde o tesão, perde vida, por isso é tetraplégica, perde partes de si mesma. Já a festa perde espiritualidade, perde solidariedade, perde paz, ganha cordas, ganha violência, segregação ... A magia do colorido existe nos abadas e nas fantasias, mas os espaços dos "com pele de cor" são definidos.
Eu queria que essa fantasia fosse eterna, quem sabe um dia a paz vence a guerra! Eu queria uma espiritualidade celebrativa, como a de Jesus de Nazaré, que não negasse os espaços festivos. Queria festas movidas por uma espiritualidade sadia, onde todos festejassem a vida sem distinções, “seja tenente ou filho de pescador, ou importante desembargador”.
Essa visão de mundo dualista, que chegou até nossos dias, influencia parte do cristianismo a adotar uma espiritualidade bestial, incapaz de perceber o novo, o inesperado, o espontâneo. Produz pessoas neuróticas embebidas de uma moralidade que as paralisa diante da vida, alimentando-se do “EU SEI” constroem muralhas que os separam dos outros, do diferente e de si mesmos.
Difícil saber quem precisa mais de quem, se o carnaval da espiritualidade cristã ou se nossa espiritualidade do carnaval. Eu apostaria que precisamos mais do carnaval do que eles de nós por isso, Eu vou!
Eu vou! Atrás do trio elétrico vou! Dançar ao negro toque do agogô, curtindo minha baianidade Nagô! Eu queria que essa fantasia fosse eterna, quem sabe um dia a paz vence a guerra. E viver será só festejar!