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domingo, 15 de maio de 2011

HOMOSSEXUALIDADE E LIBERTAÇÃO HUMANA

Por Marcos Monteiro

O momento apaixonante merece um texto apaixonado, mas somente os poetas tem a habilidade de sugerir vertigem e volúpia pelo entrelaçar das palavras. Como não sou poeta celebro em texto comum a decisão do Supremo de legalizar o legítimo direito dos homossexuais de constituir amor e família. Desses instantes que fazem jus a festa, dança e feriado nacional. Caíram as cercas da praça, mas o povo desacostumado não consegue invadir o espaço para deitar na grama, girar na roda gigante ou dançar ciranda.

A unanimidade da decisão nos surpreendeu, embora o nosso tribunal maior apenas reconheça um direito já exercido por mais de dez milhões de brasileiros. Maneiras de reconhecer a humanidade de minorias. Ser humano é ir se estabelecendo na diversidade e na inconclusão. Os diversos modos de se amar, a exuberância de uma sexualidade que se estabelece sem respeito a regras e manuais, são expressões legítimas dessas diferenças que transformam a paisagem humana em poesia e beleza.

Homossexualidade é palavra que tenta definir o indefinível, pretendendo retirar do ser humano parte de sua humanidade. Faz pouco tempo, comemorava em um restaurante um aniversário, na companhia de amigos e amigas, a maioria rotulada como gays, lésbicas, ou palavras semelhantes. A comida e a bebida eram comuns e a conversa girava sobre história, poesia, literatura, futebol, religião, sexo. Cardápio variado de comida e de conversa, duas coisas do cotidiano de todos os seres humanos.

Ter direito ao pão de cada dia garante a sobrevivência, o direito ao sexo de todo dia ou de vez em quando transforma a sobrevivência em poema. O sexo é esse momento de ultrapassar limites, em que o corpo se propõe como lugar de mistério e de arrebatamento. Vivido amorosamente acrescenta à volúpia do carinho a profundidade da doação livre e mútua, entre dois seres humanos livres e disponíveis. O direito legítimo à carícia e ao amor é agora legalizado como pertencente a todo ser humano, sem a necessidade de rótulos.

Sem as cantigas das comemorações, o ruído dos protestos são feitos em nome da família e da religião. Novamente a questão das definições. Se família significa entre outras coisas o espaço para o crescimento mútuo de seres humanos e para o cuidado e educação de crianças, esses espaços são diversos, com diversos atores atuando em diversos papéis. Crianças criadas por pais ou mães do mesmo sexo não se tornaram necessariamente frustradas, drogadas ou marginais, nem mesmo homossexuais, terror de muitos.

Alguns religiosos se pronunciaram a favor da união estável mas não do casamento, prerrogativa das igrejas. Na sutileza semântica, a complicação lingüística. Carícias e palavras não podem ser patenteadas, a pretensão apenas convida à continuidade da luta. As religiões e as igrejas não são concessionárias das cerimônias nem proprietárias de Deus. O direito de crer (incluindo o direito de não crer) e o direito de amar são prerrogativas tão humanas quanto o direito de comer e de conversar.

Para os que pertencem ao campo religioso, como pertenço, a decisão do Supremo é oportunidade de aprofundamento, de busca de compreensão e de ressignificação. Livros, artigos, pesquisas, estudos densos sobre a sexualidade humana já são abundantes. Acima disso, o ser humano concreto, pessoas que vivem amor e sexualidade de modos diversos. Muitos que experimentaram sentimentos de alegria e de libertação quando assumiram a sua maneira de amar; muitos que não se sentem abandonados por Deus. Pelo contrário, diante da maldição de todos, somente contam com o sentimento da compreensão Dele, no espaço indevassável de sua interioridade.

Diante de tudo isso, podemos assumir vociferantes o papel de arautos da culpa, da vergonha e do remorso, ou celebrarmos a boa notícia (evangelho) da libertação e nos juntarmos à alegria de milhões de brasileiros e brasileiras que se sentiram acolhidos e protegidos pela lei, pela primeira vez na história. Por estranha e feliz coincidência este texto está sendo postado em um novo e diferente treze de maio.

Outros textos de Marcos em seu Blog: http://madoniram.blogspot.com

2 comentários:

Léo Dias disse...

Sendo o amor intrínseco ao ser humano, penso que toda forma de expressão do mesmo é digna de contemplação, celebração e aprendizado...

Sendo assim a vitória do amor é a nossa vitória.

Viva o direito ao Amor, viva a PL 122!!!

Valdeir Almeida disse...

O reconhecimento do STF tem, de fato, um caráter libertador. E, por coincidência, ele veio justamente num dia em que se comemora a libertação inicial de quem também muito sofreu pelo preconceito.

As vozes da Igreja (não necessariamente nesta ordem) bradam contra a homoafetividade como se fossem a voz de Cristo. Ora, a voz de Cristo-Homem era doce, acolhedora, amava a todos indistintamente.

A Igreja costuma dizer que Deus ama todos os homossexuais, mas odeia o “pecado” da homossexualidade. Ora, quando se diz isso a um homossexual, está afirmando, na verdade, que Deus o odeia por completo, afinal, a homossexualidade é parte constituinte daquela pessoa.

Para começar, a homossexualidade não é pecado. É uma outra manifestação do amor. Como você disse muito bem “o direito de amar são prerrogativas tão humanas quanto o direito de comer e de conversar”. Mas pelo que se vê, grande parcela da sociedade, e a Igreja em particular, demonizam esse direito quando se trata dos homoafetivos, e tentam jogá-los na fogueira da religião a todo custo.

Marcos, parabéns pela forma magistral como escreveu este texto. Ele já está nos meus favoritos.

Abraços.