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sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Deus além de Deus

Os ininterruptos conflitos que existem no interior das religiões são interessantes e intrigantes. Entre estes temos o conflito interno que se dá entre movimento e instituição. 
Há uma força na religião que a lança ao novo ao inesperado ao espontâneo. O grande mistério que perpassa a experiência religiosa move a pessoa religiosa, muitas vezes em direção ao inexplicável.
Da mesma forma há uma força na religião que a fixa, a estaciona, amarra-a nos lugares de êxito, nos espaços onde houve experiências tidas como positivas. Essa força chamamos de instituição. A instituição estabelece, torna uma experiência norma, padrão, institui algo como regra a ser mantida.
No interior da religião podemos perceber várias características que expressam esse conflito. Os ritos, as leituras bíblicas, são instituições que são caras às religiões cristãs. Algumas liturgias podem também virar instituições quando se tornam algo rígido, não afeito a mudanças.

A imagem de Deus é um aspecto da religião que traz fortemente este conflito. Cada cultura, cada povo, comunidade e até cada pessoa, constrói uma imagem de Deus. Podemos ver isso com tranqüilidade nos textos fundantes da nossa cultura: os mitos gregos e o texto bíblico. As imagens são criadas, mas logo substituídas por outras imagens que atendem a novas necessidades.
Rollo May constata esse fato que para ele só é possível por uma atitude de coragem, para propor novas imagens de Deus que conteste a que a precede.

“Aqueles que chamamos de santos rebelaram-se contra um Deus que, segundo a sua visão interior de divindade, tornara-se inadequado e obsoleto. Os ensinamentos que os levaram à morte elevaram o nível ético e espiritual das sociedades em que viveram e das sociedades futuras. Sabiam que Zeus, a divindade invejosa do monte Olímpio, já não servia. Assim, Prometeu é a religião da compaixão. Rebelaram-se contra Javé, o deus primitivo das tribos hebraicas, que alimentava a sua glória com a morte de milhares de filisteus. Foi substituído pelas visões que Amós, Isaías e Jeremias tinham de Deus: um Deus de amor e de justiça. A rebelião foi provocada por um novo conceito de divindade. Rebelaram-se, como diz Paul Tillich, contra Deus, em nome do Deus além de Deus. A presença contínua do Deus além de Deus é a marca da coragem criativa, no campo da religião.”

Em conversa com o tio de um amigo, ele me disse... “Um mar que se compreende não passa de um aquário, um Deus que se compreende não pode ser grande coisa.”
Para conhecer pouco mais a Deus necessitamos de atitudes de coragem e fé. Fé para aceitarmos que a imagem que temos de Deus é incompleta. Coragem para aceitar, perceber outras faces de Deus e que o outro, aquele que é diferente de mim, pode me apresentar um rosto de Deus que ainda não conheço, mesmo que quando eu olhe, ache feio, estranho, diferente. Foi assim que os sacerdotes se comportaram diante do Deus amoroso apresentado por Jesus.

Que o Deus que está além de Deus, tenha misericórdia de nós e nos envie coragem e fé, para que possamos construir juntos uma religião que esteja apta a desenvolver-se em meio aos movimentos da vida. Capaz de perceber e acolher os outros, aqueles que têm uma imagem de Deus diferente da que criamos e a que instituímos em nossos dogmas e tradições cristãs.

12 comentários:

Gal disse...

Olá Marquinhos, muito bom o seu texto. Lembro do tio do seu amigo, dizendo tmb que Deus, o jardineiro fugiu porque não suportou as absurdas definições que atribuíram a ele. Pois, sempre tentaram ter uma ideia completa de Deus. Quando vc diz: "coragem para aceitar, perceber outras faces de Deus e que o outro, aquele que é diferente de mim, pode me apresentar um rosto de Deus que ainda não conheço, mesmo que quando eu olhe, ache feio, estranho, diferente", penso nas relações da vida que podem ser traçadas sem violência e intolerância.

À PÉ ATÉ ENCONTRAR disse...

PERFEITA REFLEXÃO!
Sim, acredito num Deus além de Deus, além Deus criado por nossas visões limitadas, humanas, deturpadas e falhas, cheias de preconceitos e juízos...Ele é além!
ADOREI, bju amiigo!

Abia Medeiros disse...

Oi Marquinhos! Parabéns pelo seu texto. Muito bom confiar em um Deus que não estar engaiolado, e que manifesta o seu amor como deseja; sem distinção. Que possamos fazer o mesmo.

Abia Medeiros disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Léo Dias disse...

Toda imagem que criamos ou copiamos de Deus torna-se nossa verdade irrefutável, para que permitamos que essa imagem ganhe outros contornos dados por outros seres e saberes diferentes de nós e dos nossos é necessário muita coragem, fé e rebeldia de amor.

Marquinhos a cada de dia que passo sou + seu fã... abraço meu lindo!

Anísia Neta ❀ disse...

Deus além de Deus, homem além do homem!
Nada que está preso a um conceito consegue chegar perto de definir o que é realmente.
Um Deus infinito e misterioso para um homem em constante construção...
Adorei o texto!!

jacy disse...

Oi Marquinho!! Que o Deus além de Deus, nos dê à sensibilidade e humildade para conhece-lo melhor, q este dogma q temos seja retirado, arracado do nosso coração "q achamos certo o certo"

Obrigada pelo texto,
linda mensagem.
bjs

Dey disse...

Pow cabeça, vc é o cara mesmo!
Deus além de Deus é este cara que conheci através de vc...
Este Deus é aquele que caminha conosco, que senta conosco, come no mesmo prato, fala a mesma língua, e até da risadas das nossas piadas. Ele está para além da convenções e das instituições!

Valeu meu irmão!
Seu blog é realmente um lugar de belas reflexões!!!!

Marcos Fellipe disse...

Poooxxxaaaaa!! Valeu mesmo pelos coments... Gal, Aníssima sempre presente...Bia que alegria qd a vi por aqui...Leo já cansei de dizer q eu q sou fâ seu... Sou apenas um projeto de algo q podia dar certo...Netinha, seus comentários sempre enriquecem minhas reflexões... Jacy, q surpresa agradável vê-la aqui... Poww Déi assim vc pega pesado... Esse é o Deus q estamos conhecendo juntos, que a face só veremos vendo os rostos de nossos irmãos e companheiros de jornada...

Messias Brito de Jesus disse...

Deus já foi para mim o todo poderoso, pai carrasco, chicote na mão pronto a castigar-me pelos pecados cometidos.
Um ser estupidamente poderoso contra um adolescente totalmente frágil e debilitado, só me restava obedecer em tudo ao que me mandavam os seus representantes, sob pena do futuro e eterno fogo do inferno, e ainda a perda das bençãos aqui na terra.
Rebelei-me, primeiro contra esse deus, depois contra seus prepostos, pois percebi que aquele era apenas um ídolo criado pelos oficiais religiosos, jamais Deus...
Não acredito que nós humanos possamos ser sozinhos, mas tb não creio que possamos ser humanos sem transcender a condição de marionetes fabricadas pelo "todo poderoso" com destino pré-determinado, incluindo mais ou menos uns 70 anos de muitas dores e sofrimentos com alguns pequenos momentos de "milagres" operados tão somente para a glória de um soberano que nunca se sacia.
Minha mãe sempre me dizia: "Deus é soberano, Deus é soberano" o que me provocava mais medo que admiração. Seria como pensar em um imperador de todo o mundo, mais poderoso que um Alexandre, ou um Augusto: centro numa mão e espada na outra, pronto a ordenar a matança...
Desculpem, nem devia dizer isso aqui, mas não concebo um Deus soberano em toda a sua sapiência que ofereça benesses aos seus preferidos e ferro e fogo aos que não lhe adoram; tb não posso aceitar um soberano q enriqueça uma pequena minoria de "cabeças" e lance à miséria a grande "calda" simplesmente por falta de fé.
Olha, acho melhor parar por aqui, e prosseguir minhas brigas com Deus em silêncio...

Anabel Pascoal disse...

Dificl comentar quando se tem muito a aprender!...

Esplendoroso seu texto.

Mile Pereira disse...

Texto fantástico! È importante lembrar que não somos os donos da verdade e que Deus está realmente além daquilo que pensamos. Limitarmos Deus ao pouco que conhecemos dele é muito injusto. Talvez nos despir dos nossos preconceitos seria o primeiro passo para de fato conhecermos esse Deus que tanto falamos.